A SOMBRA
A moça está quieta. Cabisbaixa, encerrada numa espécie de torpor típico de quem está a um passo da loucura. Tem nas mãos um rosário de contas escuras que ela movimenta entre os dedos aflitos enquanto move os lábios parecendo rezar. Todos que passam olham de soslaio benzendo-se às pressas, e se afastam sem olhar para trás. A moça se mantém quieta, distante de tudo a sua volta parece nem ouvir os murmúrios entre dentes, dos passantes - “credo em cruz!”, “vade retro!” e outras frases impossíveis de serem ouvidas. Ela permanece sentada por horas desfiando o rosário enquanto o sol lentamente muda de posição e projeta sua sombra no gramado. Ao perceber a sombra, a moça fica visivelmente agitada, gotas de suor brotam em sua testa, uma palidez de cera toma conta de seu rosto. Ela move as mãos e os lábios rápido e repetidamente mantendo baixos, os olhos . Um pássaro voando em busca de alimento, vê alguma coisa se mexendo na grama e pousa próximo da sombra da moça. Depois de algumas bicadas, engole o pequeno inseto e caminha distraidamente pisa na sombra. Isso faz com que a moça dê um sobressalto levando as mãos ao peito em sinal de medo. Naquele instante, ela ergue a cabeça deixa cair o xale que lhe cobria os cabelos. São brancos. Compridos. De uma brancura nunca vista. A moça levanta o rosto. Tudo nele é branco. Os olhos completamente brancos parecem não ter vida. Visivelmente apavorada ela procura com os olhos brancos, o pequeno pássaro em sua sombra. Quando o encontra, o que segue, faz com que ela caia de joelhos lançando aos céus um urro tão grande quanto a sua dor. O pequeno pássaro está morto. Sendo devorado pela sua sombra sem que ela possa impedir, fica olhando enquanto o sangue da pequena ave se mistura com a grama escura e é absorvido, sugado pela negrura pérfida restando somente um amontoado de penas.
O vento sopra as penas levando-as até os seus pés. A moça chora enquanto recolhe as penas, suas lágrimas são de muita dor e de muito remorso. Chora rasgando as entranhas pois sabe que este será o seu destino. Alimentar a sombra agora e através da eternidade, ou servir de alimento para ela...
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