Terezinha Cai Cai
Tudo era só calmaria no bairro Ibirapuera, até que ela veio morar com a irmã, casada com um jogador de futebol do Atlético Clube de Paranavaí, que moravam em frente à minha casa. Pronto, acabou a monotonia das tardes modorrentas da minha infância. Ela era diferente das mulheres que eu conhecia, tinha um "sei lá o quê" - , que deixava a mulherada com inveja ou ciúmes, e os homens, ah, estes ficavam babando e com aquela cara de peixe morto fingindo nem saber que ela trocava de roupa com a janela aberta. Até a minha mãe, que era um poço de ciúme, rezou um sermão pro meu pai, embora até onde se saiba, ele não saia da linha, mas a minha mãe fez uma pequena observação: "Pode estar chovendo canivete, mas se a Terezinha estiver na rua, deixa que se molhe, entendeu ou quer que eu desenhe?!" -, e meu pai nem piscava os olhos nunca mais ficou de bobeira no jardim de casa, pra não correr o risco de ficar sem os seus lindos olhos verdes! E eu só olhando e percebendo que ela, Terezinha, era diferente - isso ela era. Até dona Lair, do professor Horácio, ficou "anuviada" depois que Terezinha veio morar no bairro, e, olha que dona Lair era lindona. Hoje eu sei qual a diferença entre as duas - dona Lair era o tipo de mulher clássica, bonita, elegante, olhos verdes, sempre vestida com discrição, mas a Terezinha - ah, essa era diferente. Tinha uma cintura fina marcada por um cinto largo de fivela grande e uma 'bundona' gigante salientada pelo vestido sempre justo. Seu Gonçalves o cunhado, era jogador do time local, o Atlético e toda vez que ele saia de casa para ir ao clube treinar, Terezinha se arrumava toda - horas a fio pra lá e pra cá na frente da janela mudando de roupa até acertar na escolha. Quando, enfim, decidia pela cor e modelo, ela partia pra maquiagem - quilos de pó de arroz e um batom vermelho pra combinar com as unhas, depois era um sapato de salto alto e uma bolsa. Ah, ia me esquecendo do cabelo -, era sempre um penteado desfiado, avolumando no alto da cabeça e uma franja jogada para o lado e tudo coberto de laquê. Depois de pronta, dava uma última olhada no espelho, ajeitava a bolsa debaixo do braço e ganhava a rua - na época, a então Avenida Rio Grande do Norte, não asfaltada, era um areião lascado do outro lado do canteiro central, na frente da casa dela, mas isso não era empecilho pra Terezinha. Ela saia pisando leve, só com a ponta dos pés pra não afundar no areião e fazia questão de passar bem na frente da serralheria do seo Aderval Casado, fazendo a alegria dos empregados que só faltavam saltar a bulica dos olhos e ela nada, nem olhava pro lado.
Já quadra seguinte, sem o problema da areia solta, ela podia caminhar com segurança, o que facilitava o rebolado da bundona gigante. Toda faceira, passava pela frente da loja de peças Auto Motor e a mesma coisa acontecia - era só 'fiu fiu' que se ouvia e ela nada, nem olhava pro lado. Andava mais duas quadras e passava pelo ponto de táxi e toma 'fiu fiu'. Então ela deixava a Avenida Paraná e seguia pela Manoel Ribas esquina com a Souza Naves, onde tinha um bar, cujo nome, eu não me lembro, mas que na época era o reduto dos fazendeiros da cidade e região para acertar a a compra e venda de bois. Um pouco antes, ela dava uma paradinha, abria a bolsa e pegava um espelhinho de mão, dava uma olhada básica, retocava o batom e aplicava umas gotas a mais do perfume Classic Charisma -, segundo ela, sua marca registrada. Com tudo pronto, ela saia rebolando e com a cara mais seria deste mundo chegava em frente ao bar e era imediatamente acometida por uma tontura repentina, cambaleava procurando apoio e finalmente caia na calçada. A "homaiada" de plantão, já com os ânimos elevados pelas cervejas, saia em disparada pra socorrer a bunduda e era só mãozada pra lá e pra cá e ela nada de acordar do desmaio. Descaradamente ela abria as pernas e ficava toda mole e toma mãozada nas coxas e tudo era feito na maior discrição, afinal estavam acudindo uma 'senhorita' já um pouco passada na idade, mas ainda uma senhorita indefesa. Chamavam o seo Leovel, dono do bar, que já sabia das coisas, mandava trazer a moça pra dentro do estabelecimento, buscava uma garrafa de vinagre pra passar nos pulsos e fazê-la cheirar - era um santo remédio, ela acordava na hora. Nesse momento, um dos socorristas se oferecia para leva-la até a sua casa, coisa que ela recusava dizendo já estar bem, mas diante da insistência acabava aceitando e saia do bar amparada, entrava no carro do 'escolhido' que desaparecia avenida abaixo deixando os outros com cara de tacho. Horas mais tarde, quase na boca da noite, um carro parava na esquina antes da casa do seo Gonçalves e Terezinha descia bem faceirinha e pisando mole, atravessava o areião indo pra casa. Foi assim por uns dois anos até que o passe do seo Gonçalves foi vendido para outro time e tiveram que mudar de cidade. O Ibirapuera nunca mais foi o mesmo, e muito ainda se falou de Terezinha Cai Cai e seu rebolado...